Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

segunda-feira, 23 de março de 2009

EDIFÍCIO DOS BEM-AVENTURADOS

Em vão edificaram os tijolos
de cada porta que nunca se abriu.
A alma, por vezes, é janela fechada
É uma coluna que disseca
na mão do arquiteto.

Em vão espalharam os pedaços
de meu ser fragmentado nas calçadas,
nos terraços, nos jardins e nas praças públicas.

Em vão meus pés emigraram por toda parte
à procura dos edifícios sólidos.
Em vão entrei nos grandes templos
para ouvir a voz que sempre me calou.

Caminhei entre os espinhos e as pedras,
entre lixos e seres marginais...
E tudo isso foi mais útil que as coisas vãs.
Porque aprendi que em vão os grandes templos
e os astros se desabam na morada dos soberbos.
[Bem-aventurados os que creem em Deus
e não cantam as religiões.
Bem-aventurados os poetas, os bêbados
e crianças que amam e nunca sabem para onde vão]

Os poetas não absorvem as pedras dos arquitetos.
Os homens apedrejam em vão nas ruas, nos becos,
nas esquinas noturnas até o fim do mundo.

Em vão amaldiçoaram a minha existência
Porque todos que me atiraram pedras
não tiveram a grandeza e a sensibilidade.
Os soberbos não souberam ouvir as notas sacras,
nem a música do avesso da alma dos esquecidos que amei.

Em vão calaram para não tocar na voz silenciosa
que brotava a flor entre o lixo e a luxúria.

Em vão trabalharam os homens hipócritas
Porque eu fiquei como a criança sublime
que sorri da simples rosa amassada no meio do caminho.

segunda-feira, 16 de março de 2009

TERCETOS E DÍSTICOS DA MINHA MORTE (continuando)

EPITÁFIO DA POESIA (novo título)

Se acaso eu morrer amanhã
Não escreva em meu túmulo
palavras que nunca escreveria.
Adeus é palavra excluída.
Quero estar presente.
Quero a vida presente
Sem pressa de futuro.

Não me venha com mafuás
com flores e novenas!
Quero sempre a poesia com algemas.
Não cante nem invoque as estrelas
Nunca fui amiga de Bilac.
Não toque a valsa fúnebre
prefiro uma valsa de Beethoven
nas lonas azuis do firmamento.
Não digam que sou imaculada
se tantas vezes me apedrejaram.
Não cante a minha poesia
se ela sempre foi a rejeição.

Mas digam a todos em todos os bares
em todas as ruas e em todos os jornais,
que a poesia se cravou em meu túmulo:
AQUI JAZ A POESIA, IPSIS LITTERIS.