Por que escrevo?
Escrevo para não morrer.

(José Saramago)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

INFINITUDES PASSADAS

(a ti, nos rios infinitos)

Voei na dissolução do tempo
incompreensível e das memórias consagradas.
Oscilei por muitos anos entre o inaudito e indizível.

Neste instante, vivencio o passado interminável.
As palavras que sempre foram minhas
na constante e intensa completude
permanecem agora mudas, como se táteis e surdas.
São palavras medrosas e inexatas.

Abraço-as com lirismo comedido
E no espelho do tempo
Vejo nossos olhares agonizantes
de espera, renúncia e despedida.

Fica a remissão no meio do repleto silêncio...
O afogamento nas águas do tempo
Somam-se aos questionamentos do instante.

Quisera que o poder dessas mãos proféticas
tocasse a quimera, a fantasia e o não dito...
Maldito tempo e infortúnio destino!
As palavras ficaram umedecidas no olhar:
O olhar mais nítido que o Girassol.
Mas o olhar é indizível e mudo
É a covardia das nossas almas gritantes!
Viver é incomensuravelmente perigoso.

Se essas mãos profetizassem
Se esses olhos mudos não calassem o tempo
Voltaria aos rios de nossas águas líricas
e nem mesmo os grandes rios de Babel e Sião
afogariam os nossos laços indecifráveis.

Mas a poesia é incomunicável
Não teria o poder de saltar e voltar ao tempo:
esse tempo epifânico que é a nossa redenção.
A genuína sensação do sonho e infinitude.

sábado, 26 de setembro de 2009

ORGIA POÉTICA I

Dioniso, eis-me nestas escuras linhas
a rasgar o véu nigérrimo
de minha embriaguez.
Desato cada nó da algema...
Assim liberta, assim leve
assim livre...
Livre e cheia de luz.

Um estado epifânico derrama
as taças do vinho doceamargo.
Tuas trevas bacantes se desfazem
e refazem como espumas nas minhas mãos.
Essas mãos de esfera lírica corta todo
o culto da nevoenta noite
As trevas nao mais detêm meu êxtase.
Confesso a força de Mênesis em mim
das Nereidas, ninfas e Vênus com mafuás.
Não poderei jamais negar todas as divindades...
Sim! Bacantes outrora
Dioniso aqui não mais...

Do fogo e para o arroubamento do fogo
e da fogueira vermelha e cega renasci.
Somente a epifania a mim se une
Sacralizada
Sem mácula
Sem escuridão.

Meus olhos ardem na luz do fogo
Há muito mais luz em mim
que a constelação no dia final.

Nua, descalça e liberta assim
de um jeito assim, embriago sim.
Dioniso, deixo-te sozinho agora
na possessão e anímica efusão.

Com a absoluta liberdade
Derroto os instintos corporais
E apodero do Divino
que sempre habitou em mim.
Dioniso não mais:
porque até as correntes da luz de Apolo eu soltei.

Há somente o vinho
e os lábios molhados de minha infinita sede
juntando-se à garrafa quebrada em mil pedaços.
E eu completamente nua
nua,
liberta,
sem remorsos.
Simplesmente sem acessórios e sem véu
Dioniso, adeus!

Rosidelma Fraga.

sábado, 19 de setembro de 2009

CONFISSÕES E SANGRAMENTO

[OU SANGRAMENTO DA POESIA]


Arrasto e suplico
o estancar da ferida poética.
Súplica, vazio e efusiva completude
Contemplação e silêncio.
Pressinto-me sagrando, sangrando...
Eis que uma vaidade nua embriaga
a minha sede sagrada de gozos eternos.
Sempre quis a palavra sem pele
como se nela eu me entregasse sangrando.
A palavra que esmaguei outrora
insiste em ressuscitar.
Amasso-a sem me dar conta
do sangue que se escorre em nossas veias.
Arrombo a porta aberta da minha alma seca
Ajunto os cacos amalgamados do avesso esquerdo.
Rio, porque a denominava morta...
Libertei-me neste minuto.
Ponho-me em decúbito
Soluço de medo feito rato na luz.
A palavra
vai
vem
e volta...
Caída como se arrastada pelos vales
ela implora...
A sílaba chora e bate à minha porta, sangrando...
Eu viro as costas como quem nunca a tocou
Esta é a ingratidão de meu ego.
A palavra, enfim, sussurra em meus ouvidos.
Tento resistir ao contato e piso-a e jogo-a no lixo.
Sangro de paixão e lirismo quando ela quer partir
Arrependo-me e ajoelho a teus pés.
Eis a minha confissão, leitor:
agarro-a com loucura e lirismo
banho cada palavra de espumas
faço todas trocar os acessórios sensuais,
depois me visto diante delas na escuridão,
deixo-a nua e completamente sedenta de mim.
Mas o meu olhar tímido se esconde.
Vou à procura de cada instante eterno
Aguardo os versos que eu ainda irei escrever
no além-túmulo e noutras vidas,
onde a palavra amor estará no útero.
As outras palavras se mordem no elevador
sem nada dizer, sangrando, antes de ser poesia
até que minhas confissões se refaçam por acabadas.